Estudo revela que 42% dos docentes do ensino superior e pesquisadores já se autocensuraram por medo de retaliações

A pesquisa  “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?”, lançada nesta quarta-feira pela FPME, Observatório do Conhecimento, SBPC e LAUT e, reúne dados sobre censura e autocensura  nas universidades públicos e institutos de pesquisas

Em parceria, a Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME), o Observatório do Conhecimento, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por meio do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade e o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), divulgaram hoje (20), a pesquisa “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?”. Os dados revelam que 42% dos docentes do ensino superior e pesquisadores já limitaram os próprios conteúdos e 35% já restringiram suas pesquisas  por medo de retaliações 

Os primeiros achados  apresentam um cenário alarmante de violações da liberdade acadêmica nas instituições de ensino superior e de pesquisa. O objetivo da pesquisa foi investigar a percepção de docentes do ensino superior e pesquisadores acerca de violações e ameaças ao exercício da liberdade acadêmica e de cátedra ao longo dos últimos anos.

Ainda de acordo com o estudo: 

58% dos respondentes conhecem experiências de pessoas que já sofreram limitações ou interferências indevidas em suas pesquisas ou aulas;
35% dos respondentes já limitaram aspectos das próprias pesquisas;
42% já limitaram o conteúdo das próprias aulas por receio de retaliações ou alguma consequência negativa; e
43% consideram ruins ou péssimos os procedimentos disponibilizados por suas instituições para lidar com denúncias de ameaças à liberdade acadêmica. 

Durante o lançamento da pesquisa, o presidente da FPME, deputado Professor Israel Batista (PSB – DF), relatou o que pra ele é mais um ato de intimidação do governo com os servidores e pesquisadores. A denúncia foi enviada ao parlamentar durante o lançamento. “O que vemos agora é um conjunto de ações jurídicas dos órgãos contra os seus próprios servidores. Houve uma pesquisa importante, feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), por meio de um servidor, que foi uma avaliação de política pública, e este servidor está sendo processado pelo Inep pela divulgação da pesquisa. Esse tipo de assédio tem o único objetivo de amedrontar os pesquisadores e as instituições que produzem informações sobre o país”, explica o presidente da Frente.   

“O que pudemos observar com a pesquisa é que realmente temos um cenário preocupante, pois temos visto muitas ameaças a liberdade acadêmica, no sentido da produção do conhecimento, a restrição a diferentes áreas do conhecimento e o quanto isso afeta a nossa democracia e principalmente as instituições de ensino superior públicas que são a responsáveis pela maior produção de ciência e tecnologia no país”, relata a  Cientista política e Pesquisadora do LAUT, Anna Carolina Venturini.

Segundo Sérgio Carrara, professor titular do Instituto de Medicina Social da UERJ e pesquisador do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos, estamos vivendo uma espécie de trincheira, já que para ele, produzir dados no Brasil, atualmente, tem sido um ato de resistência. “Essa pesquisa não deixa de ser um termômetro que podemos medir os sinais vitais da ciência e da pesquisa no Brasil, ou seja, os sinais vitais do pensamento livre do país. Não no sentido de uma liberdade inconsequente ou sem responsabilidade, mas sim, no sentido da necessária autonomia para estabelecer os limites do dizível”, explica o docente. . 

Para a coordenadora do Observatório do Conhecimento, Mayra Goulart, está havendo um apagão de ideias e o empobrecimento de debates dentro das universidades por causa da sensação de medo. “Eu sou professora e eu sinto na sala de aula que os alunos estão desmotivados, amedrontados, com medo de não conseguirem empregos, medo de não conseguirem bolsas, que estão desvalorizadas, mas sobretudo eles veem que a sociedade não valoriza esse tipo de atividade e, pelo contrário, persegue”, afirma a coordenadora.

Censura e Autocensura

O professor de direito constitucional da USP e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade – SBPC, Conrado Hübner Mendes, foi alvo de ação pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, pelos crimes de calúnia, injúria e difamação por postagens nas redes sociais pela coluna de sua autoria, publicada na Folha, intitulada “Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional”. “Foi um ato de intimidação, é importante notar que, por trás de um ato de intimidação, existe sim uma tentativa de silenciamento, tentativa de provocar autocensura, de que as próprias pessoas, com medo, deixem de falar”, afirma Hubner. 

O professor afirma ainda que houve um aumento do fenômeno da autocensura pelo medo da intimidação. “Qualquer tipo de censura, e sobretudo a autocensura, tende a mediocrizar a ciência brasileira (talvez com mais intensidade nas ciências sociais e humanas, mas não só), e mediocrizar a formação da cidadania e de profissionais para o mercado de trabalho”, completa.

Em 2021, Pedro Hallal, epidemiologista, professor e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, foi censurado durante uma coletiva de imprensa do Ministério da Saúde no Palácio do Planalto sobre os números da pandemia. “Faltando 15 minutos para apresentar, eu fui informado pela assessoria de comunicação que o slide tinha sido retirado da apresentação, em que eu era o apresentador. Pouco tempo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid, sem nenhuma justificativa técnica”, conta o epidemiologista. 

Para Hallal houve um aumento grosseiro da censura e que uma das consequências é o aumento da própria autocensura. “Essa é uma característica muito marcante do atual governo, a tentativa de silenciar o resultado de pesquisas que não os agradam. Isso não aconteceu só comigo, mas em diversas áreas de estudo como o desmatamento ou a própria Covid-19, o que acaba gerando uma sensação de medo para os pesquisadores que preferem não se expor”, crítica. 

A Farmacêutica-Bioquímica, Professora Andréa E. M. Stinghen do Setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná, sofreu ataques pessoais em 2021, após ter divulgado trabalhos envolvendo o efeito da cloroquina em vasos sanguíneos. “fui duramente atacada nas redes sociais e questionada por posições extremistas e dogmáticas de apoiadores do governo que defendiam amplamente o uso deste medicamento no tratamento da COVID-19″, relata Stinghen. 

Para a professora existe uma sensação de censura “velada” dentro das universidades que prejudica o desenvolvimento de pesquisas. “Esta sensação de censura agravou-se devido aos ataques constantes do governo federal contra as universidades públicas e o negacionismo científico que estamos vivendo, a onda de negação do conhecimento em todas as esferas colocou, docentes, pesquisadores e cientistas num papel de ter que provar a todo momento o seu ponto baseando-se em dados e estudos, e mesmo assim algumas vezes sem sucesso. Um processo esgotante que até então nunca havia acontecido no Brasil”, completa a pesquisadora. 

Áreas afetadas

Segundo os dados coletados, de fato, as pessoas mais afetadas por ameaças e violações à liberdade acadêmica são as que fazem pesquisa ou lecionam nas áreas de Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, seguidas de perto pela área de Ciências da Saúde. Também é notável a proporção de respondentes da área de Linguística, Letras e Artes (9%) que já limitaram o conteúdo de suas aulas por receio de retaliações ou consequências negativas. 

Apesar das diferenças significativas entre as áreas do conhecimento, a pesquisa revela que as ameaças à liberdade acadêmica no país não se restringem a professores(as) e pesquisadores(as) das humanidades. Isso pode ser constatado nas nuvens de palavras que reúnem o conjunto de temas de ensino/pesquisa dos(as) respondentes que já limitaram aspectos de suas pesquisas ou o conteúdo. 

Análise

De acordo com a análise do estudo, a elevada frequência de experiências pessoais de autocensura em atividades de ensino/pesquisa observada nesta pesquisa indica que estamos diante de um problema muito maior do que sugere a grande repercussão dos casos mais emblemáticos de ataques à liberdade acadêmica. A maioria das ameaças e violações à liberdade acadêmica nas instituições de ensino superior e de pesquisa do país ocorre sem que tenhamos qualquer notícia a respeito. 

Além dos dados apresentados neste primeiro informe, a pesquisa também coletou informações sobre as experiências pessoais dos(as) participantes, bem como as suas percepções sobre o significado de “liberdade acadêmica” e o cenário político mais amplo do país. Esses dados serão divulgados ao longo do ano de 2022.

Observatório do Conhecimento: é formado por rede de Associações e Sindicatos de Docentes de universidades e parceiros da área; e Se articula em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade e da liberdade acadêmica. 

Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT): é uma instituição independente e apartidária de pesquisas interdisciplinares, comprometida em produzir e disseminar conhecimento sobre a qualidade do estado de direito e da democracia. 

Observatório Pesquisa, Ciência E Liberdade/SBPC: O Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da SBPC tem como principal missão registrar, acompanhar, tornar público e encaminhar às autoridades competentes qualquer atentado à liberdade de expressão, à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento científico entre nós. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) representa mais de 160 sociedades científicas associadas e mais de três mil sócios ativos, entre pesquisadores, docentes, estudantes e cidadãos brasileiros interessados em ciência e tecnologia. 

Frente Parlamentar Mista da Educação: formada em abril de 2019, é pluripartidária e composta por 312 deputados federais e 42 senadores; Tem como missão defender uma educação pública de qualidade para as crianças, jovens e adultos brasileiros; Articulou ações importantes para a Educação como a aprovação do Novo Fundeb, a tramitação do Sistema Nacional de Educação e medidas para o enfrentamento do impacto da pandemia no setor.

Para ler a pesquisa na íntegra acesse aqui.

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