Primeira infância: quando teremos uma infância de pleno cuidado?

Levantamento do Instituto Ayrton Senna indica que 22 unidades da federação do Brasil provavelmente não conseguirão garantir a meta proposta pelo Plano Nacional de Educação (PNE) que determina a oferta de vaga em creches a 50% das crianças de 0 a 3 anos de idade até 2024. O monitoramento da meta mostra que o País ainda está distante de garantir pleno cuidado para todas as crianças pequenas, a começar pelas creches.

Foto: Sérgio Amaral/MDS
Creche na Cidade Estrutural em Brasília. Foto: Sérgio Amaral/MDS

Embora a Creche sozinha não seja capaz de assegurar o desenvolvimento pleno das crianças, ela têm função central na rede de proteção e cuidado infantil. Mas apenas se garantir uma Educação de qualidade, defende Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto e Vidigal. Para ela, além de averiguar o avanço do acesso à Creche, é fundamental acompanhar também em que condições tem ocorrido essa expansão. “Alguns municípios escolhem expandir as vagas via unidades conveniadas, o que barateia bastante, mas é mais difícil ter controle de qualidade do que acontece nessas instituições, mesmo diante dos critérios de conveniamento. Outros investem pesadamente na expansão da rede via rede direta, 100% pública. São escolhas diferentes e com gastos diferentes”, pontuou.

A especialista conversou com o Todos sobre a importância de se avançar em uma política intersetorial para a Primeira Infância, prevista no Marco Legal da Primeira Infância, de 2016.

Todos: Investir na Primeira Infância vai além da oferta de vaga. Quais são as características de uma boa política intersetorial para esse período da vida?

Beatriz: O primeiro ponto é que ela seja intersetorial, incluindo saúde e assistência social. Sabemos que, no início da vida, essas questões estão muito próximas. E, em segundo, que seja uma iniciativa articulada entre os entes. No Brasil, infelizmente, ainda temos uma desagregação desses serviços em níveis nacional, estadual e nos municípios. A Primeira Infância deve ser vista sobre a perspectiva do usuário, de modo que esses serviços que têm no centro a criança possam conversar entre si. Para tanto, é imprescindível que haja um sistema de dados sobre as crianças e as famílias que seja compartilhado por diversas áreas. Assim, uma criança que tenha vulnerabilidade social importante, pode ser referenciada pela escola para a assistência social, ou para saúde, etc. Um sistema integrado permite desenhar como essas aproximações acontecem e quanto deviam acontecer. Isso seria essencial para apoiar principalmente as famílias mais vulneráveis.

Todos: Qual é a importância de acesso à Creche e à Pré-escola para o desenvolvimento integral das crianças?

Beatriz: A creche e a Pré-escola não têm como objetivo que as crianças saiam alfabetizadas, mas isso não significa que não tenham que ter aprendizagem significativa durante esse período. Já sabemos por meio de estudos que esses anos são um período muito importante para o desenvolvimento do neurológico da criança, que deixa marcas importantes para todo o desenvolvimento posterior da pessoa. Assim, todas as aprendizagens começam na Primeira Infância e se temos um início bom, as etapas subsequentes são facilitadas. O contrário, claro, também é verdadeiro: se o início da vida é de poucos estímulos – sobre o seu corpo, família e o mundo que cerca a criança -, vai ser mais difícil ser alfabetizado, por exemplo. É preciso compreender a alfabetização além da leitura dos símbolos, é uma leitura de mundo, com bases que começam bem antes dos atos propriamente de ler e escrever.

Outra coisa que falamos bastante é que não queremos qualquer vaga. Afinal, essa é uma demanda social das famílias trabalhadoras, que precisam de um lugar para deixar seu bebê, sua criança pequena em segurança. Por isso, não queremos qualquer vaga; queremos a que tenha qualidade. Quanto mais estimulante for o ambiente da Educação Infantil, melhor a criança vai se desenvolver. Essa é uma discussão que tem que estar no radar da implementação da BNCC, pois é uma oportunidade de realmente qualificarmos o atendimento em creches e pré-escolas.

Todos: No ano passado, os Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil foram atualizados. Como você avalia essa atualização e qual a importância dela para as políticas públicas daqui para frente?

Beatriz: Foram feitas atualizações no sentido de incluir alguns temas como a intersetorialidade. Esse tipo de documento é muito bem-vindo quando falamos de qualificar o perfil das crianças, uma vez que auxilia tanto os municípios quanto as unidades escolares a refletir sobre a qualidade da Educação Infantil e sobre como elas podem melhorar. Em termos de melhoria, o documento deveria ser mais propositivo e objetivo, porque ainda é um documento bastante extenso. De toda forma, é super-válido, pois chama a atenção para a área e para a qualidade do ensino. De novo, é preciso enfatizar: não é qualquer Educação Infantil que queremos. Queremos uma Educação Infantil que realmente promova o desenvolvimento das crianças; um atendimento que garanta aprendizagens importantes para toda a vida dela.

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